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Foto do escritorBiodecon

O corpo que derreteu na cama

O Sergio foi fazer a vistoria deste chamado sozinho. A princípio, quando ele me contou sobre o trabalho, não parecia ser tão ruim. Então, fui para o endereço numa boa, achando que seria um dia como outro qualquer: a limpeza de um lugar em que o corpo de alguém fora encontrado uns dias após a morte. Mas não foi bem assim.

Quem nos chamou foi a irmã do falecido e quem abriu a porta da casa foi a ex-mulher dele. A casa ficava no fundo de um terreno grande, que abrigava outros imóveis. A casa em que o homem morava era pequena, velha e suja. As paredes eram mofadas e o forro tinha um buraco por onde entrava água da chuva. O senhor que morava ali era alcoólatra, separado, tinha filhos e vivia sozinho. Ele morreu no quarto, em cima de dois colchões e sua morte foi descoberta mais de 15 dias depois pelos vizinhos, por causa do cheiro. Quando o IML arrombou a porta da casa para retirar o corpo só restavam os ossos. Com o calor do verão, o restante se decompôs e derreteu na cama, literalmente.


O odor de putrefação podia ser sentido de longe. Quando entramos na casa, o cheiro era insuportável. Nem de máscara especial e todo paramentado conseguia deixar de sentir o fedor do lugar. Ao começar a olhar o que tinha que ser feito, vi que o trabalho seria imenso. As paredes já tinham sugado todo o fluído corporal do homem, os rodapés e o chão estavam marcados. A casa também estava cheia de vermes. A gente ia andando sobre eles – porque estavam em todas as partes – e eles iam explodindo. Era nojento. Mas não dava para ficar pensando naquilo. Tínhamos muito a fazer.


Naquele dia fomos em três pessoas. Era 30 de dezembro. O calor ultrapassava os 30 graus. De macacão, a sensação térmica era ainda mais alta: cerca de 55 graus. Eu, Francesco, não sabia nem por onde começar. Então decidi começar pelo chão, já que os fluídos corporais escorreram da cama e foram parar no banheiro. Primeiro recolhi os vermes do chão manualmente com um paninho e uma pá. Depois comecei a tirar os fluídos do chão com um produto que ajuda a soltar o sangue do piso. Só essa tarefa me consumiu mais de uma hora e meia.


Terminado o chão, fui recortar o primeiro colchão. Cortei ao meio e fui enrolá-lo para colocá-lo na barrica, um tambor de papelão em que descartamos objetos infectados e enviamos para a incineração. Como o colchão estava inchado eu o virei. Para o meu desespero escorreu fluído e sangue, como se estivesse tirando um pano molhado de um balde. O líquido vazava. Eu tinha acabado de limpar o chão. Eu ria para não chorar. No segundo pedaço do colchão aconteceu a mesma coisa. E quanto mais eu mexia naquela cama, pior o cheiro ficava.

Fui para o segundo colchão. Aí comecei a recortar. Encontrei mais fluídos e muitos vermes que andavam para lá e para cá, a ponto de levar o isqueiro que estava sobre o colchão de um lado para o outro numa rapidez incrível. Recortei a parte do box, que era de madeira. Ali também tinha fluído corporal. O homem realmente derreteu naquele espaço. E o que sobrou foi comido pelos bichos.


Após terminar a cama quebramos a parede para retirar o fluído absorvido e arrancamos um rodapé para saber se não havia infiltração, pois se outra pessoa fosse morar lá correria o risco de se infectar e adoecer. Por fim, fizemos a limpeza geral. Desinfetamos a casa toda com produto hospitalar e fizemos a desodorização para eliminar o cheiro da decomposição.

Geralmente, num serviço como este tiramos de 15kg a 20 kg de resíduos. Neste foram 70 kg. Foi a pior decomposição que limpei até hoje. Tive que trocar de macacão duas vezes para não me infectar. O serviço demorou 7 horas ininterruptas. Foi o último serviço do ano de 2020, para nunca mais esquecer.










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